"Trevas
cobriram nossas praças". Assim o Papa Francisco define os tempos em que vivemos.
Não são tempos como quaisquer outros, são tempos nunca antes vividos pela
humanidade. É um momento sobre o qual a humanidade haverá de se debruçar para
compreender. Francisco escolhe, e o faz muito bem, o Evangelho com o qual vem
falar à Cidade e ao Mudo. A homilia proclamada pelo Papa é algo estrondoso pelo
silêncio, pela plasticidade de um céu que chora sobre São Pedro, de um Papa
ofegante e sem a mesma alegria de sempre. Custo a acreditar que alguém possa
não ser tocado pelo que disse o Papa ao MUNDO.
Me atrevo,
aqui, a falar de um ponto deste belo evangelho que não foi assim tão falado
pelo Papa. O Jesus que dorme. Francisco comenta que é a única vez nas Sagradas
Escrituras que se refere a Jesus dormindo (não sabia deste dado). Reparem que
Jesus não caiu no sono, que Jesus não “encostou a cabeça”, mas que Jesus dormia
sobre um Travesseiro. Os Evangelhos não trazem consigo palavras sem
necessidade. Compreendo que um Jesus que dorme sobre o travesseiro é o Senhor
que nos envia uma mensagem, nos dizendo que sabes bem o que está fazendo e que
deliberadamente decide dormir.
Há tanta
simbologia nessa passagem, que se torna quase impossível dissecar tudo que nela
se lê. O Barco, representação histórica da Igreja e do Mundo, perecia uma
tempestade, e os discípulos, alguns deles pescadores experientes, homens de
vivencia naqueles mares, tomam-se de temor. E Jesus? Esse dorme tranquilamente
em seu travesseiro. Percebam que a ciência daqueles pescadores deveria ser o
suficiente, mas eles percebem que toda a ciência, experiência, vivencia que
possuem ao mar, não é o bastante para contornarem aquela situação, e temem pelo
pior. O medo deles parece aumentar quando sua ANCORA, seu ARRIMO, Jesus, está
dormindo despreocupado.
Quando olham
para o Cristo dormindo, perguntam, provavelmente a si mesmos em primeiro lugar
e depois ao mestre, se não se preocupas que todos eles morrerão. Essa pergunta
é problema teológico que até hoje o homem enfrenta. Frequentemente, em nossa
falta de fé, colocamos a culpa da morte e do sofrimento em um Deus que não se
preocupa, um Deus que não nos olha. Homens de pouca fé, somos todos nós, que
não compreendemos a mensagem enviada pelo sono de Jesus. Se ele dorme, é porque
confia a nossa sorte ao PAI, e se assim o faz, também nós deveríamos fazer o
mesmo. Devemos fazer aquilo que nos cabe como humanos, laborar (em todas as
acepções possíveis da palavra), mas em ultima instância precisamos confiar o
destino da Barca em Jesus Cristo.
O Jesus que
dorme, é incomodado por um grupo de discípulos temerosos. Um Jesus que sabe que
nada de pior iria lhes acontecer acorda, incomodado pela gritaria de seus
discípulos, ou simplesmente piedoso de seu sofrimento. É um Deus que sabe o que
irá acontecer a cada um de nós e que não há de nos deixar perecer, mas que
mesmo assim da atenção a nossa súplica, ao nosso desespero e não nos deixa
desamparados.
A ironia de
tudo isso é que os tempos sombrios que enfrentamos nos vêm juntos da Quaresma.
Uma Quaresma em Quarentena. O Mundo, a Igreja e cada fiel – eu inclusive, que
teimavam em fazer displicente a Quaresma, teimava desvaloriza o jejum, o
silencio e abstinência, veem-se obrigados a olhar para dentro de Si, olhar pra
miséria humana, pra sua fraqueza e para a fraternidade universal, e não podem
escapar dessa realidade física que lhes assola. São dias de cinza, de
reconhecer que viemos do pó e a ele voltaremos, são dias do roxo, do luto e da
dor.
Mas ao fim de
toda quaresma, ao fim de toda a preparação, há sempre uma Páscoa, há sempre uma
vida nova, uma ressurreição. A tempestade silencia sob as ordens do Cristo. Há
sempre uma Páscoa a nossa frente, e na Páscoa se deposita nossa fé, nossa
esperança, nossa alegria. É na certeza de uma Páscoa que brilha no horizonte
que devemos firmar-nos na ancora de Cristo. Há sempre fé e esperança.
Jesus dorme
tranquilamente, e devemos esperançar que enquanto estivermos com ele nesta
Barca, estaremos seguros, seremos protegidos por ele. Jesus dorme e essa é
nossa maior tranquilidade. Jesus dorme e essa é nossa maior fé. Jesus dorme, e
essa é nossa maior esperança.
Permaneçamos
na Barca de Jesus, confiantes de que ele acordará e a tempestade cessará.
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