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Nem tudo é Hakuna Matata



Fui ao cinema esperando rever um desenho de minha infância. Saí de lá com a certeza de ter visto um dos melhores filmes de minha vida. Se o desenho foi feito para o público infantil, a live-action atingiu em cheio o público adulto. Simba amadureceu com o público que não imaginava poder se surpreender tanto. Um belíssimo filme.

Poderia tentar, em vão, descrever a fotografia impar do filme, compará-lo a Platão e Maquiavel, retratar a leveza de Timão e Pumba, ou, ainda, tentar traçar as nuances filosóficas e as transformações por que passam cada um dos personagens, mas nada disso descreveria o tamanho do Rei Leão. Nem mesmo falar que Hamlet está ali seria o suficiente. 

Os desafios e a trajetória do Filme, são paralelas à história de Simba. O primeiro grande desafio é entender o quanto a expectativa sobre o filme poderia arruiná-lo; o quanto ele poderia ser simplesmente uma cópia sem graça de um desenho ou de outro lado arruinar a construção realizada. Rei Leão, assim como Simba, soube construir uma nova história, em cima de um legado do passado, mas sem prender-se aos papéis já estabelecidos.

Hakuna Matata foi, na minha infância, um marco dentro do filme. Facilmente eu resumiria o desenho a esta frase. Confesso, fui ao cinema esperando ansiosamente por Hakuna Matata. Não sei dizer se pela minha imaturidade, ou se realmente o enredo mudou, mas me pareceu que o “lema” perdeu um pouco de seu tamanho, frente a profundidade da trama.

A filosofia, trazida pelo lema de Timão e Pumba, dá a Simba a condição de crescer apesar de seus erros, dá-lhe a chance de reconstruir-se de suas próprias cinzas. Mas Simba, e os diretores de Rei Leão, não poderia ficar preso ao desapego da música, sob pena de se tornar bobo e irresponsável. A terapia promovida por Rafiki, de forma sombria e profunda, faz Simba encontrar a si mesmo, levando-o ao confronto inevitável com seu passado. Responder “quem é você” nunca será tarefa fácil.

Há aqui muitos símbolos, o mais especial, para mim, é Simba atravessando o deserto. Primeiro fugindo, e depois voltando para sua vida acompanhado por Nala. Ao retornar à Pedra do Rei, mesmo já tendo confrontado todos seus fantasmas, Simba reencontra-os manipulados por Scar, e novamente procura fugir. E quando tudo parece perdido, ele encontra no desespero a esperança.

Rei Leão é um magnifico retrato de nossa vida, de como somos desafiados continuamente a descobrir o nosso verdadeiro eu. Tais desafios repetem-se e renovam-se. Rei Leão nos mostra que estar confortável consigo mesmo nem sempre é sinal de vida tranquila. Simba nos ensina que os fantasmas do passado sempre voltam a nos assombrar, e que entre fingir que não existem e fugir novamente, o melhor caminho é o confronto, por mais doloroso que ele possa ser.

E você, já foi confrontado por Rafiki? Quem é você?

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